Tema 677 no STJ: quem vota na fase final da modulação dos efeitos

Por: Antonio de Pádua Soubhie Nogueira

Como noticiou esta ConJur no último dia 26 de fevereiro [1], está ainda em discussão no Superior Tribunal de Justiça a questão da modulação da eficácia do acórdão objeto do Tema 677, sob rito de repetitivo, a respeito dos efeitos liberatórios do depósito (penhora) na execução.

De fato, em outubro de 2022, o STJ alterou subitamente sua jurisprudência, outrora pacificada, para passar a entender que um devedor, quando deposita (consigna, via penhora) o valor referente à dívida, no todo ou em parte, não fica mais liberado de pagar juros e correção monetária.

Passa então a se sujeitar às taxas previstas no título executivo, usualmente maiores que a remuneração do depósito judicial (REsp nº 1.820.963/SP, Corte Especial, m.v., j. 19/10/2022). Em razão desse overruling, começou-se a discutir no julgamento, portanto, se seria ou não o caso de modular os efeitos do novo precedente, para resguardar a jurisprudência anteriormente consolidada na corte, em prol dos princípios da segurança jurídica, da confiança legítima e da isonomia (e, também, da coisa julgada).

Afinal, muitos devedores, acreditando na sólida orientação jurisprudencial do STJ, pautaram suas ações na certeza de que, depositando o valor na execução, não teriam ônus adicionais se restassem vencidos em seus embargos.

Sucede que, superada a discussão a respeito do mérito pela Corte Especial (a favor do overruling), o tema a respeito da modulação passou a ser apreciado apenas pelos ministros vencedores, isto é, aqueles deram pelo provimento do recurso especial, excluídos do quórum (de deliberação) os ministros vencidos, que propunham a ratificação da tese jurisprudencial há décadas consolidada na corte [2]; estes, então, não puderam se manifestar (votar) sobre o grau de eficácia do novo precedente [3].

Daí a questão interessante sobre saber se essa solução procedimental foi adequada, à luz da sistemática que rege a definição da prospecção de efeitos decisórios jurisprudenciais, como se sabe, inaugurada, no âmbito da jurisdição infraconstitucional de competência do STJ, a partir da edição do artigo 927, § 3º, do novo CPC.

Como já tive a oportunidade de escrever aqui nesta ConJur [4], o julgamento da modulação é bifásico, ou seja, primeiro se aprecia o mérito recursal e, portanto, a oportunidade de alteração da jurisprudência consolidada na corte para, só depois, passar-se ao debate da prospecção dos efeitos decisórios do precedente.

Esta discussão pode se dar logo após encerrada a análise da questão de fundo, na mesma sessão de julgamento (de ofício ou mediante provocação das partes), ou em sede de embargos declaratórios opostos pelas partes e/ou interessados (por ex., amici curiae); e, em alguns casos, cabe até ser suscitada em segundos embargos de declaração, como, aliás, costuma ocorrer cotidianamente no STF [5], cujo poder de balizar a eficácia dos seus julgados está disciplinado desde 1999, com a edição da Lei nº 9.868 [6].

A bem da verdade, o tribunal tem até a prerrogativa de ajustar os efeitos temporais do overruling anos após sua edição, em apreciação de novos recursos incidentais que venham a tratar da problemática sobre os danosos efeitos concretos de sua aplicação retroativa, conforme o Supremo já procedeu várias vezes ao longo da sua história [7].

O fato é que, dado esse “sistema bifásico” de julgamento, a modulação da eficácia do acórdão cuida de uma outra questão recursal, que deve ser decidida ao final, e que é totalmente independente da matéria meritória, donde está a exigir, no nosso entendimento, a participação de todos os ministros que compuseram o quórum de votação, independentemente da posição que alguns externaram em relação ao mérito (provendo ou desprovendo o recurso, para alterar ou não a jurisprudência).

Dá-se o mesmo procedimento adotado na apreciação da questão preliminar sobre o cabimento do recurso (artigos 938 e 939, CPC c/c artigos 165 e 174, RISTJ): julgam a questão preliminar todos os juízes presentes e, posteriormente, mesmo os vencidos (artigo 939, CPC e artigo 165, RISTJ) manifestam-se sobre o mérito, como, aliás, sempre decidiu o STJ a respeito:

De modo que não há razão para fazer qualquer diferença em relação ao julgamento da fase final em que se aprecia a conveniência da prospecção dos efeitos da nova jurisprudência. A decisão sobre efeitos modulatórios é questão independente, tal como é a preliminar de cabimento do recurso, de forma que, nos termos dos artigos 938 e 939 do CPC (c/c artigos 165 e 174, RISTJ), cumpre colher também os votos dos juízes que restaram vencidos em relação ao tema de mérito, sob pena de nulidade.

Nulidade absoluta

É, a propósito, desse modo que o Supremo costuma cotidianamente proceder quando discute a modulação dos efeitos de seu overruling, como, v.g,, se deu nos EDcl no RE 574.706, no âmbito dos quais os ministros vencidos no mérito também votaram livremente na fase final, decidindo sobre conveniência de modulação do novo entendimento da corte.

O devido processo legal (artigo 5º, LIV e LV, CF) para julgamento recursal da fase prospectiva da mutação jurisprudencial — que é um ponto delicadíssimo, porque discute princípios constitucionais caros (segurança jurídica, confiança legítima etc.) — merece quórum íntegro, como se dá no STF, cuja sistemática deve ser, por simetria, adotada pelo STJ, na esteira do disposto nos artigos 938 e 939 do CPC, cuja ratio é aplicável também a essa derradeira questão.

Daí por que, respeitadas as convicções em sentido contrário, entendemos que a Corte Especial do STJ atentará a tais peculiaridades procedimentais e, com isso, em respeito ao due process, certamente irá declarar a nulidade absoluta do julgamento ocorrido a respeito da questão recursal final relacionada à modulação da decisão tomada quando do julgamento do Tema 677, em overruling. Por conseguinte, colherá o voto de todos os ministros que deliberaram a respeito do mérito, inclusive os que, na oportunidade, restaram vencidos.

[1] “Tempo de recomeçar – STJ vai julgar presencialmente modulação da tese sobre depósito na execução” (https://www.conjur.com.br/2025-fev-26/stj-vai-julgar-presencialmente-modulacao-da-tese-sobre-deposito-na-execucao/).

[2] Veja-se a certidão do julgamento: “Quanto à admissibilidade da revisão do tema 677/STJ, os Sr. Ministros Laurita Vaz, João Otávio de Noronha, Maria Thereza de Assis Moura, Herman Benjamin, Jorge Mussi, Og Fernandes, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino e Francisco Falcão votaram com a Sra. Ministra Relatora. Quanto ao mérito, os Srs. Ministros Laurita Vaz, João Otávio de Noronha, Maria Thereza de Assis Moura, Herman Benjamin, Og Fernandes e Benedito Gonçalves votaram com a Sra. Ministra Relatora. Vencidos os Srs. Ministros Jorge Mussi, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino e Francisco Falcão que negavam provimento ao recuros especial. Quanto à modulação dos efeitos, os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Maria Thereza de Assis Moura e Benedito Gonçalves votaram com a Sra. Ministra Relatora pela desnecessidade de modulação dos efeitos. Vencidos a Sra. Ministra Laurita Vaz e os Srs. Ministros Herman Benjamin e Og Fernandes que votavam pela modulação dos efeitos”. (REsp 1.820.963/SP, grifamos).

[3] Como também reportou o Conjur, em 19 de outubro de 2022, assim: “A posição vencedora foi a da relatora, ministra Nancy Andrighi. Ela foi acompanhada pelos ministros João Otávio de Noronha, Laurita Vaz, Maria Thereza de Assis Moura, Herman Benjamin, Benedito Gonçalves e Og Fernandes. Ao desempatar o resultado, o ministro Og Fernandes sugeriu a modulação dos efeitos da nova tese, em homenagem à segurança jurídica e em atenção ao impacto potencial em milhares de casos já em tramitação no Judiciário. O colegiado discutiu o tema e levou a votação. Nesse ponto, e a contragosto de alguns ministros, só votaram os que formaram a maioria com a ministra Nancy. A conclusão, por fim, foi de não modular os efeitos” (https://www.conjur.com.br/2022-out-19/deposito-judicial-execucao-nao-afasta-encargos-devedor-stj/. Grifos nossos).

[4] “Algumas questões controvertidas sobre modulação de decisões no STJ”, de 29 de abril de 2024 (https://www.conjur.com.br/2024-abr-29/algumas-questoes-controvertidas-sobre-modulacao-de-decisoes-no-stj/).

[5] “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PEDIDO DE MODULAÇÃO TEMPORAL DOS EFEITOS DA DECISÃO DE MÉRITO. POSSIBILIDADE. (…) O Supremo Tribunal Federal, ao tomar conhecimento, em sede de embargos de declaração (antes, portanto, do trânsito em julgado de sua decisão), de razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social que justifiquem a modulação de efeitos da declaração de inconstitucionalidade, não deve considerar a mera presunção (ainda relativa) obstáculo intransponível para a preservação da própria unidade material da Constituição. 3. Os embargos de declaração constituem a última fronteira processual apta a impedir que a decisão de inconstitucionalidade com efeito retroativo rasgue nos horizontes do Direito panoramas caóticos, do ângulo dos fatos e relações sociais. Panoramas em que a não salvaguarda do protovalor da segurança jurídica implica ofensa à Constituição ainda maior do que aquela declarada na ação direta. (…)” (ED na ADI 2797, Pleno, Rel. Min. Ayres Britto, j. em 16/05/2012. Destacamos). No mesmo sentido, admitindo embargos declaratórios para esclarecer a eficácia temporal da decisão, v. ED na ADI 3601/DF, Pleno, Rel. Min. Dias Toffoli, j. em 09/09/2010.

[6] Tratamos do tema em Modulação dos efeitos das decisões no processo civil, USP, 2013, p. 21.

[7] Ver, ainda, nosso Modulação dos efeitos das decisões no processo civil, cit., p. 21 e ss., no qual tratamos de vários casos em que o STF, depois de declarar a nulidade pelo juízo de inconstitucionalidade, com efeitos ex tunc, foi obrigado, tempos depois, a ponderar sua jurisprudência em recursos extraordinários subsequentes das pessoas afetadas, aduzindo, por exemplo, que, apesar da inconstitucionalidade de lei que determinou aumento de salário, vencimentos passados não precisavam ver devolvidos; apesar da inconstitucionalidade de norma que nomeou funcionários públicos, os atos por ele praticados foram válidos etc.; adotando, assim, uma eficácia ponderada em outros recursos extraordinários, a posteriori, ao julgamento de inconstitucionalidade, em razão dos problemas práticos que o precedente de nulidade repristinatória criara! O STJ, portanto, está habilitado a tomar essa mesma medida, pois a modulação não está sujeita à preclusão, notadamente por se tratar de política judiciária do tribunal de superposição.

[8] V. NEGRÃO, Theotonio e outros, CPC e leg. proc. em vigor, 55ª ed., SP: Saraiva, 2024, nota 1 ao art. 938 do CPC, p. 842. Maiúsculas nossos

Antonio de Pádua Soubhie Nogueira é advogado em São Paulo e Brasília, mestre e doutor em Processo Civil pela USP, foi relator do Tribunal de Ética e Disciplina III da OAB-SP (2010/2023), associado efetivo do Iasp, no qual foi ex-presidente da sua Comissão de Direito Processual Civil, e sócio titular de Antonio de Pádua Soubhie Nogueira – Advocacia.

Fonte: Consultor Jurídico (ConJur)

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